À margem da reforma, terceirização é zona cinzenta

Na reforma trabalhista anunciada pelo presidente Michel Temer, a regulamentação da terceirização não foi tratada e caberá ao Congresso Nacional decidir sobre duas propostas em tramitação. O projeto de lei 4302/98, enviado pelo governo FHC, não diferencia atividades meio e fim, já passou pela Câmara e pelo Senado e voltou para a Câmara onde está parado. O projeto 30/15 está em estágio avançado de negociação e permite a terceirização de uma “parcela” de qualquer atividade, excluindo a administração direta e as empresas públicas. O projeto não define, porém, que parcela é essa, deixando a porta aberta para interpretações da Justiça.

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, explicou que as medidas divulgadas pelo governo se restringiram ao que é “pacífico e acordado”. A terceirização e a jornada intermitente (pagamento por hora de trabalho), onde não houve entendimento, ficaram para decisão dos parlamentares.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um estudo comparado sobre a legislação acerca da terceirização em sete países – África do Sul, Alemanha, Austrália, Colômbia, Chile, Espanha e Suécia – para tentar esclarecer o tema, importante para a competitividade e para modernizar a produção e as relações do trabalho.

O Brasil padece de uma doença chamada “insegurança jurídica” nas relações de trabalho. Sem uma adequada regulamentação, o que prevalece é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permite a terceirização só de “atividades-meio” e determina que a empresa contratante de serviços tenha responsabilidade subsidiária por eventuais verbas devidas pelo empregador a seu funcionário.

Ao estabelecer a diferenciação entre atividades meio e fim sem dizer do que se trata, criou-se um vasto campo para demandas judiciais. A Justiça definiu, por exemplo, que o plantio de laranja para fabricação de suco não pode ser terceirizado porque é uma atividade fim. Antes de o check-in ser feito pelo próprio passageiro, o serviço também era tratado como atividade fim da companhia aérea, sendo proibida a sua terceirização.

Os exemplos foram citados pela gerente-executiva das Relações de Trabalho da CNI, Sylvia Lorena Teixeira de Sousa. Ela coordenou a elaboração do estudo “Terceirização: Principais Pontos em Debate no Brasil Comparativamente À Realidade de Outros Países”.

O texto foca em três aspectos e traz uma visão detalhada do que ocorre nos sete países, escolhidos por serem marcos na legislação trabalhista e por competirem com empresas brasileiras no mercado externo: se há limites à terceirização de determinadas atividades (meio ou fim); quais as responsabilidades das empresas no processo de terceirização em relação aos trabalhadores envolvidos; e se a intermediação é uma prática admitida e tratada como terceirização. No Brasil, confunde-se terceirização com intermediação, que se refere a cessão de mão-de-obra, disse ela.

A terceirização é uma forma de gestão do processo produtivo em que uma empresa contrata de outras a realização de serviços específicos necessários às suas atividades. As contratadas devem ter organização própria, autonomia técnica e jurídica. Cada empresa da relação de terceirização é responsável pela contratação, remuneração e direção do trabalho de seus empregados. Elas devem obedecer às normas trabalhistas específicas de cada relação de emprego existente, explica o estudo.

Segundo a CNI, nos países selecionados a terceirização é amplamente permitida – sem ressalvas por tipo de atividade. O tratamento jurídico dado à terceirização, porém, varia. Alguns países possuem regulamentação própria, como o Chile, a Colômbia e a Espanha. Outros já a tratam como um tema geral de direito civil (contratos), como a África do Sul e a Alemanha. Em nenhum dos países estudados há restrição à terceirização de atividades fim como regra geral, seja por motivos trabalhistas ou por restrições cíveis.

Pablo Rolim Carneiro, técnico da CNI que participou da elaboração do estudo, disse que a diferenciação entre atividades meio e fim existe na Venezuela.

Entre os países em que há alguma regulamentação específica da terceirização, o Chile e a Espanha estabelecem responsabilidade solidária entre as empresas contratantes e contratadas em relação aos empregados desta última. “Contudo, tal responsabilidade não foi estabelecida para todo e qualquer caso de terceirização, como muitos defendem que seja feito no Brasil. Ao contrário, ela se vincula especialmente ao desempenho de trabalho em atividades próprias ao negócio da empresa contratante, o que, por outro lado, só reafirma a possibilidade de terceirizar qualquer atividade”, salientam os autores do trabalho.

Os dois países criaram, também, uma espécie de direito/dever de a empresa contratante manter-se informada quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias da contratada. Cabe ao poder público fornecer essas informações. No Chile, se a empresa contratante se utiliza desse direito/dever de pedir informações – ao qual sucede também o direito/dever de retenção de pagamento -, ela passa a ter responsabilidade subsidiária.

Já na Colômbia a responsabilidade da empresa contratante e contratada pelos empregados dessa última, caso o trabalho executado se dê nas atividades principais da empresa contratante, é similar à responsabilidade subsidiária estabelecida no Brasil. Ou seja, quando o trabalhador for reclamar direitos na Justiça, ele deve acionar ambas as companhias, tanto a sua empregadora quanto a contratante dos serviços terceirizados.

Ao contrário do que ocorre no Brasil, nos países pesquisados a terceirização não é confundida com a intermediação de mão de obra, prática comumente aceita e vinculada, de forma geral, à hipótese de trabalho temporário. A conclusão do estudo, que traz anexo a legislação dos países citados, é de que a preocupação geral com o respeito à proteção para os trabalhadores não impediu que empresas adotassem estratégias, como a terceirização, em busca da eficácia produtiva e da competitividade.

 

Fonte: Blog Televendas