Calote de grande empresa preocupa banco

Enquanto a inadimplência no crédito começa a dar os primeiros sinais de controle, um segmento em particular ainda preocupa as instituições financeiras: o das grandes empresas. O risco de que a crise política, deflagrada pela delação dos controladores da JBS, prejudique o desempenho da economia reacendeu o temor de surgimento de novos casos de calote entre as companhias de maior porte. Além disso, os bancos permanecem em negociação com as empresas investigadas pela Operação Lava-Jato, que dependendo do desfecho pode trazer algum impacto para os índices de inadimplência.

A situação do próprio grupo J&F, dono da JBS, vem sendo acompanhada de perto. Todas as grandes instituições financeiras possuem financiamentos concedidos a empresas do grupo.

O acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões fechado pela holding J&F com o Ministério Público Federal facilita o processo de negociação para a rolagem das dívidas das empresas do grupo com os credores. Mas os bancos não descartam tomar medidas como a exigência de mais garantias ou a redução dos limites das companhias para a rolagem dos compromissos.

Segundo o Valor apurou, a Caixa suspendeu novas concessões de crédito para a JBS. No fim de maio, o presidente do banco público, Gilberto Occhi, disse que a instituição havia feito provisões temporárias como medida prudencial. Mas afirmou que todas as operações com o grupo estavam adimplentes e tinham garantias. Procurada, a Caixa não comentou o assunto.

Embora o volume do endividamento do grupo J&F seja grande e preocupe os bancos, as companhias são operacionais e com um perfil diferente das empresas do setor de infraestrutura implicadas na Lava-Jato. “Parte da receita das empreiteiras estava vinculada à execução de projetos que acabaram não se concretizando em razão dos problemas da Petrobras”, diz uma fonte.

A empresa, contudo, tem mostrado agilidade no processo de reforçar o caixa. A JBS anunciou a venda das operações na Argentina, Paraguai e Uruguai por US$ 300 milhões (quase R$ 1 bilhão, no câmbio de ontem). Outros ativos, como a fabricante de calçados Alpargatas, também interessam a potenciais compradores, como fundos de private equity.

Em um ambiente de maior incerteza, os bancos, que já estavam mais seletivos, devem apertar ainda mais as condições para concessão de crédito para grandes empresas. O saldo dos financiamentos no segmento nos cinco maiores bancos – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander – encerrou março em R$ 762 bilhões, queda de 5,8% em relação ao primeiro trimestre de 2016, uma retração maior que o crédito como um todo.

Os bancos sustentam que a maior parte dos casos problemáticos entre as grandes empresas já está mapeada e que os níveis de provisionamento para absorver eventuais perdas estão adequados. Em entrevista a jornalistas na terça-feira, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, afirmou que os bancos têm uma provisão equivalente a 180% dos empréstimos não pagos e estão preparados para qualquer tipo de choque, embora não acredite que vá acontecer.

Mas os bancos não descartam uma volatilidade nos índices de inadimplência entre as grandes empresas, caso o cenário de incerteza política se prolongue. As companhias mais endividadas devem ser as primeiras afetadas, não só pela ameaça imposta ao processo de recuperação das receitas em curso como pelo aumento do risco de refinanciamento. Segundo o executivo de um grande banco, no ano passado foram realizadas rolagens de dívida de algumas empresas por prazos mais curtos, de olho na reabertura do mercado de capitais e na retomada da economia a partir deste ano.

Com o aumento do risco político, o acesso ao mercado de capitais passou a ficar mais restrito para as empresas, o que têm levado os bancos a buscarem alternativas de recursos como operações estruturadas de crédito, que envolvam um reforço de garantias, ou mesmo as transações de fusões e aquisições. “Mas é natural que, neste momento, os potenciais compradores não tenham pressa”, diz um executivo.

O peso do endividamento no balanço das grandes empresas já vem diminuindo com a venda de ativos, redução de investimento e a busca de recursos com a emissão de ações no mercado de capitais, diz Alexandre Glüher, vice-presidente de relações com investidores do Bradesco.

A queda da taxa básica de juros também deve ajudar a reduzir os custos da dívida. “Acho que a inadimplência vai melhorando gradualmente. Se vai ser linear, não sabemos”, diz Glüher. O executivo ressalta que os níveis de provisões para perdas com créditos em atraso são suficientes para suportar as condições de mercado.

No primeiro trimestre, o índice médio de calotes nas cinco maiores instituições financeiras registrou leve alta no primeiro trimestre, de 3,70% para 3,73%. A piora foi atribuída ao surgimento de novos casos de inadimplência em grandes empresas.

No Banco do Brasil, por exemplo, o índice de atrasos ficaria em 3,47% em março, bem abaixo dos 3,89% registrados se não houvesse o atraso no pagamento de uma grande empresa de telecomunicações – e que os analistas apontam ser a Oi.

No Itaú, a inadimplência na carteira de grandes empresas subiu de 1,3% para 1,6% entre dezembro e março. O que chamou a atenção, porém, foi a alta dos créditos com atraso entre 15 a 90 dias, que subiu de 0,7% para 2% no trimestre. O aumento da inadimplência de curto prazo foi impulsionado por casos específicos do setor de infraestrutura. Essas dívidas, segundo o Valor apurou, foram renegociadas com mais garantias e não devem impactar o índice de inadimplência acima de 90 dias no segundo trimestre.

Na teleconferência de resultados do primeiro trimestre, o presidente do Itaú, Candido Bracher, afirmou que esses casos já estão cobertos pelo atual nível de despesas com provisão para perdas, que deve ficar no ponto médio da faixa prevista para este ano, que vai de R$ 14,5 bilhões a R$ 17 bilhões.

O Bradesco também sofreu com o aumento na inadimplência na carteira de grandes empresas, que subiu de 1,24% em dezembro para 2,29% em março. A alta foi influenciada por um caso corporativo específico no valor de R$ 1 bilhão, que já estava provisionado desde 2015 e cuja baixa contábil será feita no segundo trimestre.

Além da migração de parte das operações para o mercado de capitais, a redução na carteira é reflexo da demanda menor por parte dos clientes, segundo João Consiglio, vice-presidente executivo do Santander. “Com a crise, as companhias passaram a fazer uma gestão mais eficiente, o que reduziu a necessidade de capital de giro.”

O recente agravamento da crise ainda não afetou a dinâmica de crédito às grandes empresas, segundo Consiglio. “A percepção do mercado é que os fundamentos da economia permanecem”, diz.

Fonte: Valor Econômico