O que fazer com o 13º salário? Hora pode ser boa para rever investimentos

Uma ideia de carteira pode ser 10% em fundos de ações e 20% para multimercados de moderados para agressivos

O fim do ano está chegando e, com ele, a expectativa de um dinheiro extra do 13º salário para os trabalhadores com carteira assinada ou por conta dos bônus e participação nos lucros no caso dos executivos. Nos dois casos, é bom começar a planejar o que fazer com esse dinheiro, para investi-lo bem e fazê-lo durar mais ou render mais nos próximos meses. Só o 13º pode colocar R$ 211 bilhões nas mãos dos trabalhadores. Pode ser hora também de aproveitar e reavaliar os investimentos, diante da melhor definição do cenário eleitoral e seus efeitos sobre o mercados financeiros, aproveitando ganhos já obtidos.

Há dúvidas sobre se os juros básicos vão subir ou não este ano e sobre os efeitos das novas medidas do próximo governo para ajustar as contas do país, mas há também oportunidades para quem aceitar um pouco mais de risco. A oportunidade e também de calcular se vale a pena fazer um aporte adicional em previdência privada para reduzir o imposto na declaração de renda do ano que vem.

Mais uma semana de turbulência pelo menos

Ainda vai haver bastante turbulência até o fim desta semana, a última antes do segundo turno da eleição presidencial, alerta Mauro Calil, estrategista de pessoas físicas do Banco Ourinvest. “Até dia 28 à noite, quando as urnas forem fechadas, vai ter turbulência, com guerra de propaganda, pesquisas, e os mercados vão ficar instáveis até sexta-feira”, diz.

Calil acredita que, não importa quem for eleito, algumas medidas na área econômica terão de ser tomadas. “Se for feita uma reforma da Previdência com 30% do alcance da proposta pelo governo de Michel Temer, já vai ser um grande avanço”, acredita. E, se junto vier uma reforma tributária “mais ou menos”, as coisas também vão melhorar, afirma. “A perspectiva para a economia, portanto, é boa”, avalia Calil.

Aposta na alta dos juros este ano

Com a expectativa de economia melhorando, e com a inflação do IPCA chegando perto da meta de 4,5% este ano e 4,25% no ano que vem, os juros básicos devem subir. “O Comitê de Política Monetária (Copom) já sinalizou que o aumento da Selic pode vir já na próxima reunião, para o novo presidente já pegar o caminho meio andado”, acredita Calil. O estrategista rebate o mito de que juro baixo é sempre bom. “O juro tem de ser o adequado, para não provocar inflação ou desequilíbrios, como excesso de endividamento ou bolhas, e hoje o juro de 6,5% ao ano é baixo demais para o Brasil”, afirma. Ele espera também um aumento das privatizações no próximo governo, que serão usadas para ajudar a pagar as contas do Estado.

Pague as dívidas e não faça novas

Nesse ambiente de ajustes, Calil reforça a recomendação de cautela com os recursos do 13º salário. “Tem de quitar dívidas caras de curto prazo ou pelo menos reduzi-las se o dinheiro não for suficiente”, diz. E, em hipótese alguma, o 13º deve ser usado para contratar novas dívidas. “Nada de dar de entrada em carro, celular ou moto”, alerta.

Guarde para as contas do início do ano

Se não tem dívidas, o trabalhador deve guardar ao menos parte do 13º salário para as contas que vão chegar em janeiro, fevereiro e março, como os impostos, IPTU, IPCA, a matrícula e o material escolar das crianças ou do próprio trabalhador. Esse dinheiro deve ficar aplicado em opções de curto prazo conservadora, que siga a alta dos juros, para poder sacar logo no começo do ano para pagar também o cartão e as contas das festas e viagens.

As opções para esse curto prazo podem ser fundos DI com taxa de administração baixa, inferior a 1% ao ano, papéis de bancos corrigidos pelo CDI, mas com liquidez, ou mesmo Tesouro Direto Selic, desde que o banco ou corretora não cobre taxa de administração. “Se sobrar dinheiro, então, o trabalhador pode investir em opções mais longas, mas é preciso reconhecer que a situação está difícil e muita gente não tem mais carteira assinada e portanto não tem direito a 13º”, diz.

Hora de realizar lucro em NTN-B e LTN

O investidor pode aproveitar também para reavaliar suas aplicações. Calil sugere para quem tem papéis prefixados (LTN ou NTN-F) ou corrigidos pela inflação (NTN-B) do Tesouro Direto, que tiveram ganhos extras nas últimas semanas por conta da queda da taxa de juros, vendam os papéis aproveitando o retorno maior. “Com a perspectiva de aumento dos juros, a tendência que a marcação a mercado daqui para frente virá contra o investidor, reduzindo o valor dos papéis, e o melhor deve ser ir para o Tesouro Selic, que acompanha os juros, ou para um papel privado com taxas mais altas”, diz Calil.

A sugestão é. portanto, vender esses papéis prefixados ou corrigidos pela inflação. “Os juros devem voltar a subir e os preços dos papéis vão cair”, afirma. O momento, diz é de realizar lucros nesses papéis e buscar outro tipo de aplicação. “E aí entra o planejamento básico, de calcular quanto se precisa manter em dinheiro no curto prazo, que pode ser o salário de cinco, dez meses, e deixar o restante em opções de maior liquidez”, diz.

Juros de dois dígitos devem ser mais difíceis no futuro

Já para o dinheiro de mais longo prazo, e aí depende do volume disponível, pode ser melhor colocar uma parte do dinheiro em papéis privados de bancos, como CDBs, Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA). Além de protegidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) até R$ 250 mil por CPF por banco, esses papéis oferecem taxas prefixadas de dois dígitos, para 3, 4 ou 5 anos. “Não vejo no Brasil a perspectiva de os juros voltarem a dois dígitos no Brasil no médio prazo”, afirma Calil. “Com o próximo governo, tendo estabilidade, os juros longos tendem a cair”, diz.

Fundos imobiliários

No caso dos fundos imobiliários, Calil vê duas forças atuando. O aumento da taxa de juros neste ano faria as cotas desses fundos sofrerem. pois a renda fixa concorre diretamente com a remuneração paga pelos imóveis. “Estamos avisando os clientes a realizar lucros nos fundos imobiliários”, diz. Mas os fundos imobiliários têm um contraponto que vale também para a bolsa, diz Calil. “Se voltarmos a ter um ciclo de recuperação econômica que beneficie o setor imobiliários, aí não serão apenas os juros que vão interferir nos preços das cotações em bolsa, e isso vale tanto para os fundos imobiliários quanto para as ações de alguns setores em bolsa”, afirma. Se as vendas no varejo crescerem mais que o esperado, as empresas do setor vão ganhar mais e suas ações devem subir. “Isso deve ser ponderado, mas a decisão vai depender mais de aposta de cenário do que de direção certa, como é de juro e renda fixa.” diz.

Fatia de risco para ganhar mais

Calil sugere que o investidor tenha ao menos 5% de risco na carteira, “o que não vai quebrar ninguém” e pode fazer que ganhe bastante dinheiro. “Não vai deixar ninguém rico, mas a diversificação traz um tempero a mais para a carteira”, diz.

Longe do dólar

Já o dólar está quase chegando no preço justo, acredita Calil. “Não sei se ele vai voltar para R$, 3,50, mas de R$ 4,20 para R$ 3,70 foi uma bela queda”, diz. Ele acha que pode ser bom comprar apenas para quem vai viajar ou tem compromissos na moeda e não quer correr riscos.

Turbulências podem ir além do segundo turno

A eleição presidencial pode, porém, não encerrar as incertezas dos investidores e do mercado, alerta Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos e professor do Ibmec Rio. Há o risco de que a forte divisão da população provocada pelas eleições continue após o pleito e isso acabe dificultando o governo do próximo presidente, seja por conta de protestos, greves ou oposição no Congresso. “Tenho receio de um ‘terceiro turno’, pois o ideal era o novo governo contar com um período inicial de tranquilidade, para o novo presidente lidar com os problemas difíceis na área macro”, avalia Espírito Santo.

Além disso, se o vencedor for Bolsonaro, como indicam as pesquisas, será um governo totalmente novo, sem experiência. “E, por melhor que sejam as pessoas da equipe, elas não terão intimidade com o dia a dia da gestão pública e o aprendizado será grande”, afirma.

Fim de ano pode ter maior otimismo

O economista se diz moderadamente otimista caso se confirme a vitória de Bolsonaro. “Há essa fase de aprendizado do novo governo, mas o mercado está com uma vibração boa”, diz. Os empresários querem investir e a expectativa é que o país tenha uma virada de ano com apostas de crescimento no ano que vem e maior otimismo impulsionando a economia. “Com as possíveis medidas que eles venham a tomar, como o ajuste fiscal, enfrentar a reforma da Previdência e redução de impostos, vamos ter um humor muito bom para o país voltar a crescer”, diz.

E, nesse ambiente, os mercados têm espaço para melhorar, especialmente a bolsa, que pode subir mais. Já o juro não teria mais espaço para subir, tanto que o juro longo recuou nas últimas semanas e o dólar não tem por que voltar a R$ 4,00. “Temos um cenário de médio para positivo no curto prazo, e isso faz com que ter um pouco de risco não seja ruim”, diz.

Botar no bolso parte dos lucros das NTN-Bs e LTNs
Espírito Santo observa que os juros prefixados “secaram”, de 12,5% para 10% ao ano, e pode ser interessante para o investidor vender os papéis. “Botar no bolso uma parte desse ganho não é má ideia”, diz.

Hora de ter algum risco na carteira

Para o dinheiro do 13º salário, o economista da Órama recomenda também quitar dívidas e, se sobrar algo para investir, dividir o valor entre renda fixa tradicional e outra metade em aplicações com um pouco mais de risco, mais moderada, e 10% em aplicações em bolsa de valores. “É a melhor forma de enfrentar um período que eventualmente pode ser muito bom para a bolsa, mas que, pela aprendizagem do novo governo, pode ter alguns trancos e barrancos”, acredita.

Cenário externo recomenda cautela

A preocupação maior de Espírito Santo agora é com o cenário externo, que pode estar mudando, como demonstraram as quedas nas bolsas americanas e a alta dos juros nas últimas semanas. “Para não ir muito valente para o risco, o ideal é quitar dívidas e, se sobrou algo, coloca metade em coisa conservadora”, diz. A outra parte pode ir em parte para um papel longo de banco, pagando 11%, 12% ao ano, e outros 10% a 20% em fundos multimercados. Para quem gosta de risco, 10% podem ir para fundos de ações.

Fundos multimercados long-short

“Temos fundos multimercados que fazem arbitragens entre papéis na bolsa, os chamados long/short, que correm menos risco que os que só compram ações, e com essas altas e baixas da bolsa vão surgir boas oportunidades tanto de compra quanto de venda para esses fundos”, diz Espírito Santo. Ele acredita que, apesar das altas recentes, as bolsas ainda tem ações convidativas neste momento, até porque o dólar subiu bastante este ano e o mercado brasileiro ficou muito barato para os estrangeiros. “Tem muita coisa boa para acontecer e tem gente que faz bem long/short ou que sabe escolher papéis bons para comprar em fundos de ações”, diz.

Sugestão de diversificação

Uma ideia de carteira pode ser 10% em fundos de ações e 20% para multimercados de moderados para agressivos. Os outros 70% podem ser mesclados entre renda fixa tradicional (um fundo DI com taxa de administração abaixo de 1% ao ano ou papéis de bancos corrigidos pelo CDI com liquidez ou o Tesouro Direto Selic) e alguma coisa de papéis de bancos com fundo garantidor por trás com juro pré mais alto e prazo longo. “Temos coisas razoáveis para investir e dá para correr risco com boa rentabilidade, longe da caderneta, tentando pegar um ganho extra se o cenário for de melhora da economia”, diz Espírito Santo.

Índice Bovespa pode ir a 110 mil pontos

Se isso acontecer, e o primeiro semestre confirmar o crescimento da economia, a bolsa, atrativa em dólar, vai andar e o Índice Bovespa pode ir para 100 mil, 110 mil pontos, e o investidor pegaria uma parte dessa alta, diz. “Mas não dá para ir com muita valentia para a bolsa, pois temos ainda a questão externa e o fato de que não será fácil para o novo governo fazer reformas como a fiscal ou da Previdência”, diz. “Tem muita coisa a ser resolvida mesmo com o cenário de Bolsonaro ganhar, muito desafio, mas pode ser oportunidade que não acontece sempre”, diz. “Vale botar um pouquinho de pé no risco.”

Dólar com pouco atrativo

Já para o dólar, Espírito Santo diz que não compraria a moeda americana, a não ser para viajar. “Eu não acreditava no dólar a R$ 4,20, pois o Brasil não está nas mesmas condições de Argentina e Turquia, mas também não acredito em cotações muito abaixo de R$ 3,65, R$ 3,70”, afirma. “Se a moeda cair muito abaixo disso, o mercado ajusta”, diz.

Inflação baixa permite juro estável até meados do ano que vem

A renda fixa, apesar de o juro permanecer baixo, deve continuar garantindo um bom retorno real, acredita Espírito Santo. Isso porque o cenário é de inflação mais alta nos próximos anos, mas sem muita pressão. “O melhor período da inflação já passou, mas não vejo por que haveria um estresse em relação aos preços”, diz. Ele dá o exemplo do IGP-M, que subiu bastante este ano por conta do dólar e do petróleo, mas no ano que vem a indústria brasileira ainda tem muita capacidade ociosa. “Trabalho com uma inflação do IPCA perto de 4%, e não há muita coisa para desafiar esse cenário, a menos que se espere que as  coisas vão dar muito errado”, afirma Espírito Santo.

Para o desenho que está aí, com algum ajuste fiscal, não haveria motivo para o Banco Central subir a taxa de juros até a metade do ano que vem pelo menos, diz o economista. “Não vejo o juro subindo este ano, mas também não vejo queda, o juro fica estável até junho do não que vem”, acredita. Se as coisas caminharem no Congresso, o  juro pode até cair no ano que vem, pois haverá um quadro de descompressão no lado fiscal que vai ajudar a politica monetária a continuar estimulativa, ou seja, abaixo do normal. “Por isso, por mais seis ou oito meses, vamos ficar com o juro de lado, mas ainda bom, com juro real menor, mas real”, conclui.

Imposto de renda e previdência privada

Nos investimentos de fim de ano, o investidor assalariado que faz a declaração no modelo completo, normalmente por ter mais valores a deduzir, como planos de saúde, pode considerar aplicar uma parte em fundos de previdência PGBL para reduzir o imposto a pagar no ano que vem. A Receita permite deduzir as contribuições ao PGBL até o limite de 12% da renda tributável. Quem já fez aplicações ao longo do ano pode fazer as contas e ver quanto falta para chegar nos 12% e fazer parte das aplicações e da diversificação em fundos de previdência PGBL com taxas de administração mais baixa. O fato de os grandes bancos terem zerado a taxa de carregamento e muitas corretoras oferecerem fundos de gestores independentes deve ser aproveitado pelo investidor.

Ao aplicar em um PGBL, o investidor deixa de pagar o imposto de até 27,5% sobre os rendimentos agora, para pagar o imposto quanto resgatar o dinheiro do fundo de previdência. Nesse caso, se optar pela tributação regressiva, após 10 anos, ele pagará 10% sobre o principal, bem menos que na declaração, e ainda terá o rendimento do período, que será tributado pela mesma alíquota.

Este conteúdo foi publicado originalmente na Arena do Pavini.

Fonte: Exame.com