Bradesco e HSBC afinam a nova gestão de pessoas

Depois de usar o crachá do HSBC Brasil nos últimos três anos, o executivo Juliano Ribeiro Marcílio agora bate ponto no Bradesco. Com a fusão das duas instituições, o então head de recursos humanos – e todo o quadro do banco de origem inglesa no país – terá de se adaptar ao grupo genuinamente nacional. “Estamos experimentando mais um encontro do que um choque de culturas corporativas”, afirma ele, que supervisionou a frente de integração pelo lado do HSBC.

A aquisição pelo Bradesco foi concluída em julho, por R$ 16 bilhões. Com o negócio, o banco nacional de 91,7 mil funcionários assumiu todas as operações do competidor no país, incluindo 851 agências e cinco milhões de clientes. Para os profissionais incorporados, a operação resultou na ampliação de benefícios, como uma maior cobertura do plano de saúde e mudanças nas trilhas de carreira, segundo o Bradesco. Fontes da alta liderança do HSBC relataram ao Valor diferenças no estilo de gestão das duas instituições: mais informal na organização de origem inglesa e atrelado à hierarquia dos cargos, no banco comprador. Do total de pessoal do HSBC, 99,6% ou 20 mil funcionários foram absorvidos.

“Uma das razões pelas quais a companhia manifestou interesse em adquirir o HSBC foi pelo seu capital humano”, explica Glaucimar Peticov, diretora do departamento de RH do Bradesco, que coordena a mudança na área de gestão de pessoas. “Incorporamos todos os líderes que manifestaram interesse em compor a equipe. Nenhuma demissão foi motivada pela aquisição.”

Segundo especialistas em RH, nos primeiros meses de união de grandes empresas, além de ajustar as culturas corporativas, é preciso saltar obstáculos como a continuidade da entrega de resultados, mesmo com a incorporação em curso. Também é preciso fazer a manutenção de um ambiente de trabalho tranquilo, que afaste as incertezas dos funcionários que ficaram e daqueles que chegam à nova casa. “Ao mesmo tempo, essa oportunidade abre perspectivas de carreira, gera renovação nos níveis gerenciais e ajuda a ‘oxigenar’ as equipes”, analisa João Roncati, sócio da consultoria People Strategy, que desenvolve programas de desenvolvimento de lideranças para o Bradesco.

É o que já está acontecendo com Marcílio que, na época do HSBC, liderava 198 funcionários. Hoje, como diretor de recursos humanos do Bradesco, comanda 568 colaboradores, sendo 22% do antigo banco. “Quem chega do HSBC vem de peito aberto para as oportunidades”, diz. “Como o respeito às pessoas é uma característica nas duas culturas, a integração flui e todos ganham.”

De acordo com Glaucimar, a missão do RH na empreitada é decisiva porque ele precisa adequar o contingente a um novo padrão e aproximar as forças-tarefas. O HSBC fazia parte de um grupo internacional, com diretrizes estabelecidas a partir da sede, em Londres, enquanto o Bradesco concentra as tomadas de decisão aqui no Brasil.

Para acelerar esse “casamento” foi criada uma equipe temporária, composta de gestores de várias áreas que atuam como facilitadores. Nenhuma consultoria de RH foi chamada para liderar a mudança. “Já vivenciamos várias incorporações”, justifica Glaucimar. Entre mais de 40 aquisições, estão o BMC, em 2007, e o Banco do Estado do Ceará-BEC em 2005.

A partir da fusão, os funcionários integrados adotaram as políticas de RH do Bradesco, com as mesmas oportunidades de carreira e desenvolvimento, e passaram por estudos de adequação de cargos. Agora, os dois organogramas são iguais. Outra reforma aconteceu no modelo de gestão de pessoas.

No HSBC, as vagas disponíveis eram preenchidas pelo quadro ou por profissionais do mercado. Agora, os ex-funcionários do HSBC estão inseridos em trilhas de desenvolvimento que valorizam a carreira interna e priorizam os talentos da casa. “As aquisições anteriores de empresas mostraram que integrar pessoas e culturas é positivo para a organização”, afirma Glaucimar.

Na área de benefícios, algumas mudanças aconteceram para que o modelo do Bradesco prevalecesse. No HSBC, o plano de saúde era gratuito apenas para o colaborador, que deveria pagar caso desejasse uma cobertura estendida à família. No Bradesco, o contrato é custeado para os funcionários e dependentes.

O plano de previdência privada, cuja contribuição no HSBC era de 0,5% para todos os colaboradores, com percentuais maiores de acordo com a banda salarial, também foi repaginado. O Bradesco contribui mensalmente com 5%, independentemente de cargos.

Além de trocas na cesta de benefícios, Glaucimar diz que um dos grandes desafios do processo é aprimorar o que há de melhor em cada time. “O principal cuidado é propiciar um sentimento de acolhimento e pertencimento para quem chega.”

Um executivo da alta liderança do HSBC, sem se identificar a pedido do Valor, listou alguns problemas que identificou com a fusão. Entre eles, o choque de cargos semelhantes nas duas instituições, a redução de benefícios e falta de garantia da remuneração variável (bônus) no próximo ano. “Apesar dos ganhos com a gratuidade do plano de saúde para dependentes, perdemos grandes hospitais aos quais tínhamos direito.”

Sobre as culturas corporativas dos dois bancos, ele acredita que o Bradesco valoriza mais o tempo de casa e as carreiras longevas, enquanto o HSBC focava mais na formação e nas múltiplas experiências do quadro. Segundo o gestor, que tem mais de dez anos de mercado financeiro, as equipes do HSBC também estranharam a questão da hierarquia no novo ambiente. “Todos se chamam de ‘senhor’, há muito status ligados a cargos e salas fechadas”, diz. “No HSBC era mais misturado e todo mundo podia discutir com todo mundo.”

O executivo destaca ainda o contraste da informalidade do time do HSBC com as condutas da nova casa. Não houve um comunicado para trabalhar sem barba, um costume no Bradesco, mas há um clima para que esse hábito não mude, afirma. “Muita gente que chegou preferiu mudar de visual. Na ‘rádio-corredor’, a dica era: melhor não usar barba aqui.”

O figurino de trabalho também foi repaginado, diz. Terno e gravata são vistos até na sexta-feira, coisa que não acontecia no HSBC, que aprovava terno sem gravata diariamente e roupa casual no último dia da semana.

Marcelo Orticelli, diretor da área de pessoas do Itaú Unibanco, que iniciou carreira na instituição da família Moreira Salles em 1988, lembra que o processo de fusão dos dois bancos, anunciada em 2008, durou cerca de três anos. “Ambos tinham culturas fortes e pontos convergentes na maneira de operar”, diz ele, que era diretor de cultura, gente e relações trabalhistas. “Antes de decidirem pela fusão, os acionistas tiveram várias discussões sobre qual cultura desejavam para a nova empresa.”

Para ele, é importante mostrar transparência para os colaboradores durante todo o processo. “A qualidade do quadro é o principal diferencial de desempenho das instituições. Se essa questão for mal gerenciada é possível ter perdas de produtividade irreparáveis.” Na fase de aquisição, o Itaú lançou um site informativo, um canal de TV privado com depoimentos dos executivos, além de explorar recursos como mensagens eletrônicas e o jornal interno.

O que vai garantir uma integração eficiente em uma grande composição, segundo Orticelli, é originar uma outra cultura corporativa forte. “É ela que seleciona, atrai e retém talentos, mas também afasta aqueles que não compartilham das mesmas crenças.” Para que isso aconteça, deve-se alinhar o discurso da fusão à prática. Um detalhe que fez a diferença no enlace Itaú-Unibanco foi o desejo de virar um grupo mais aberto. “Assim, não cabia mais, por exemplo, sala fechada para diretor.”

Se a união for afinada, só há vantagens para os dois lados, diz o executivo. Prova disso é que em 2009, quando começou a fase de fusão Itaú-Unibanco, a organização se classificou entre as 100 melhores empresas para se trabalhar no Brasil. “Normalmente, em períodos de incorporação, cresce o nível de insatisfação dos funcionários mas, mesmo assim, entramos na lista. Era um sinal de que estávamos no caminho certo.”

Fonte: Blog Televendas